Crônicas de um professor alucinado. Selfie Generation

Quase todo o dia encontro uma senhora na fila do mercado ou um engravatado com pinta de empresário comentar, enquanto abastece o carro “Meu filho não está aprendendo nada naquele maldito colégio.” Passo perto e finjo não saber o motivo.

Morro de vontade de parar e explicar aos pais e avós das pequenas criaturas “pensantes” que as “belezinhas” que vão ao colégio todas as manhãs não entendem a dinâmica de uma sala de aula. Não pegaram e não querem pegar o espírito da coisa.

No tempo do meu avô, do meu pai e no meu, era simples. A aula mais produtiva era aquela GLS (Giz, lousa e saliva) Tinha professor que ensinava da Revolução francesa ao 2º Reinado pra gente só com um toco de giz verde oliva, coisa que nem dava pra ver naquele maldito quadro negro. Falava, falava, um aluno perguntava, alguém tirava uma dúvida e ele seguia falando. Nós alunos? Bem, copiávamos e íamos enchendo o caderno. Vários defensores modernos da educação podem e devem se contorcer de ódio, e tem todo o direito, mas que antigamente o lance era diferente isso era. Os pais e alunos eram outros. Os mimos eram outros. A tecnologia era um computador de tubo com Windows 95. Antes se buscava um pouco de conhecimento na escola. Hoje se busca qualquer coisa e quase nunca conhecimento.

Um dia desses, depois de passar míseros tópicos no bom e querido quadro para explicar a matéria, escuto perguntas geniais.

“Professor, preciso copiar? Vai cobrar isso na prova?”

Bacana. Digno de aplausos. E como se não bastasse, para guilhotinar o meu trabalho, metem a mão no bolso e tiram a porra do iphone pra tirar fotinho do quadro. Selfie de quadro negro? Essa é boa, minha letra logo mais no facebook, exposta como um manequim na vitrine.

Por outro lado, esse é o momento mais esplêndido da aula. Instante em que paro e reflito. Lembro do cara abastecendo o carro importado e reclamando que o filho não aprende nada no colégio. Rio até doer o estômago. Pensando bem, melhor mesmo é eu comprar um iphone e começar a fotografar tudo pra mostrar pros meus filhos e netos. Principalmente o quadro negro da escola.

 

Felipe Terra Escrito por:

Professor e amante da arte literária, atua na área da educação desde 2011. Viciado na música de Bach, Mozart e Chet Baker, e na literatura de Raymond Chandler, Ross Macdonald e Paul Auster. Ama escrever e acredita que poderia ler mais, porém, precisa dormir, infelizmente. Consegue passar horas jogando pôquer ou xadrez com os amigos. Degustar pizzas de queijo e bacon é um dos passatempos prediletos em horas de fome extrema.

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