Ernest Hemingway e a elevação do conto moderno

 

Na história da literatura poucos escritores tiveram uma vida tão colorida como Ernest Hemingway. Esse americano, de barba branca e rosto até mesmo simpático, ainda continua sendo um dos autores mais celebrados em todo o mundo.

Sua obra, para alguns críticos, nunca foi esquecida e nem poderia ter sido. Ernest Hemingway viveu em uma época única na vida de qualquer ser humano. Vivenciou os maiores conflitos bélicos da humanidade. As duas grandes guerras mundiais, numa delas até foi ferido em combate. Caçou leões na África, pescou imensos peixes ao redor do mundo, amava a “arte” chamada tourada, foi jornalista, apreciador do boxe e acima de tudo, amava a Literatura. Enfim, poderíamos citar inúmeras aventuras e dramas de Hemingway, que serviram de base para toda sua produção.

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Hemingway era um homem extremamente sensível, e deixou isso claro em muitos de seus romances e atingindo o grau máximo em nos contos, que sem dúvidas são pequenas obras primas da escrita.

Alguns autores e críticos mais corajosos, afirmam que os contos de Hemingway chegam a superar seus romances. Gabriel García Márquez certa vez chegou a considerar Um Gato na Chuva, como “o melhor conto do mundo”. Notem que estamos falando da opinião de um dos maiores autores da Língua Espanhola e mundialmente conhecido, além é claro, de ter sido agraciado com o prêmio Nobel de 1982. Garcia Márquez devia saber o que estava dizendo.

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Em Um Gato na Chuva somos apresentados a uma “simples” narrativa de quase cinco páginas, originalmente publicada numa coletânea In Our Time (1925), um conto no melhor estilo “minimalista.”

Ao estudar a vida e obra de Ernest Hemingway, podemos perceber que ele era um autêntico mestre na arte de sugestionar. Em sua escrita, principalmente nos contos, Hemingway obriga o leitor a se entregar de corpo e alma. Faz com que tenhamos que deixar de lado nosso lado bruto de ser humano e deixar aflorar nossa mais íntima sensibilidade.

Um Gato na Chuva proporciona ao leitor um dos mais profundos e perturbadores retratos da fragilidade feminina.

No conto um casal americano hospeda-se em um hotel em alguma parte bucólica da Itália. O cenário que Hemingway descreve é perfeito para deixar qualquer casal ainda mais apaixonado. Os personagens têm aparentemente todos os motivos para serem felizes, mas não são.

A “névoa romântica” é transpassada por uma tensão que rodeia o casal durante todo o texto. O lado feminino é o que mais revela essa tensão, que podemos atribuir à chuva que despenca durante o conto e a um pequeno gato abandonado, que se encolhe lá fora, com medo da chuva.

Hemingway faz nesse conto um lindo esboço da alma feminina, mostrando a essência e temores de uma mulher que se decepciona com a indiferença do marido perante seus desejos, que se sente amparada pelo afável proprietário idoso do hotel, que a trata como uma verdadeira dama, a angústia pela falta de desejo do marido e a obsessão doentia dela em resgatar o pobre gato em meio à chuva.

Podemos atribuir o desejo de ter um gato como uma obsessão inconsciente do desejo maternal, à ausência de um filho que talvez nunca venham a ter.

Essas e outras interpretações, Hemingway nos permite através desse conto, sem dúvidas um dos mais famosos. Cabe ao leitor, após a leitura, abandonar o quarto e ir lá fora, na chuva, e procurar um gato que na verdade poderá nunca encontrar.

Felipe Terra Escrito por:

Professor e amante da arte literária, atua na área da educação desde 2011. Viciado na música de Bach, Mozart e Chet Baker, e na literatura de Raymond Chandler, Ross Macdonald e Paul Auster. Ama escrever e acredita que poderia ler mais, porém, precisa dormir, infelizmente. Consegue passar horas jogando pôquer ou xadrez com os amigos. Degustar pizzas de queijo e bacon é um dos passatempos prediletos em horas de fome extrema.

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