O busão

Você deve imaginar aqueles dias que a gente volta do serviço meio bêbado de cansaço, e é nesse momento que acabamos fazendo as maiores cagadas e dando descarga.

A rotina massacrante me rendeu uma história bem absurda. Pensando agora sobre isso as vezes tenho a impressão que sonhei, me custa acreditar que a vida me ofereceu uma história tão cretina quanto esta.

Eu morava em uma cidade e trabalhava em outra assim como a maioria das pessoas. Depois de um dia inteiro de reclamações e explicações, claro, a de saberem que eu era professora de informática, aliás, não só professora, recepcionista, faxineira, assistente de cobrança, e entre muitas aspas, administradora indireta, é como assim dizem uma “Dita” (aquela mulher que faz de tudo, sabe). Tudo bem que não tinha reconhecimento merecido, mas por força maior sempre insisti em trabalhar não como professora, mas como Dita e isso nem chegava a ser um problema.

O dia capcioso chegou ao fim. Um dia cheio de justificativas e bem movimento, dia de recebimento das mensalidades. Como era de praxe eu fazia os meus malabares que pra que tudo fosse acertado, fechei o caixa e respirei fundo. Ufa!

Sai de lá pisando em ovos, meio desatenta, acredito profundamente que eu estava lesada nesse dia.

Você já passou por um daqueles momentos que você sente tanto cansaço e dor que você fica flutuando? As coisas a sua volta são um pouco diferentes, mesmo que tenha visto bilhões de vezes aquele ninho na árvore ou tenha lido centenas de vezes aquela frase obscena pichada no muro, ainda sim, tudo tem um outro significado.

E lá estava eu, subindo um interminável morro, já eram mais 21 horas. Cheguei no ponto e pensei em aproveitar a mureta do próximo ponto e me encostar por lá.

Pronto estava fazendo a via sacra, aproveitei para comprar isopor com gosto de milho ou cebola (tudo tem sal e gordura), caminhei para o ponto pensando sabe lá o que (borboletas na panela, com meias em formatos de rosas de divagações e palavras incomuns).

Sentei na mureta, e claro que a Lei de Murphy estava a meu favor: Se está ruim, vai piorar.

Os minutos eram intermináveis e decidiram brincar com a minha paciência, cheguei ao ponto 21:20 horas e eram quase 22:00 e nada do maldito ônibus aparecer, quando se súbito imersa em minhas ideias pouco cabíveis me aparece um ônibus, não era o ônibus que costumava pegar, porém na ânsia de ir pra casa e claro dormir, dei sinal pra que ele parasse. Vai que tinha mudado?

O ônibus parou, cumprimentei o motorista com um breve “boa noite”, sem olhar muito, subi as escadas, logo que coloquei os pés no corredor do ônibus uma vozinha que disse pra voltar, sair dali, tinha alguma de errada naquilo.

Poderia pedir para parar me desculpar, entretanto recobrei um resto de estupidez que tinha e me contive, achei um banco e me sentei.

Observei o ambiente, era fúnebre, meio que “ônibus fantasma”, tinha alguma coisa estranha e a vozinha na minha cabeça dizendo: Que porra é essa!

Num banco atrás de mim do outro lado do corredor vi um homem com chapéu de palha, barba malfeita e um imenso bigode, em outro banco uma mulher imensamente gorda com roupas mais largas ainda, com um cabelo totalmente armado, e no primeiro banco um menino pequeno ranhento que me olhou fixamente quando entrei, e mais outras pessoas estranhas que não consegui distinguir no fundo do ônibus tamanha a escuridão.

Logo que fiz o reconhecimento da área e me acomodei, percebi que havia um rapaz de se dirigia de um lado para outro, com jaqueta de bege e calça social, ele me lembrava o Duffy, o personagem do filme “Todo mundo em Pânico”, uma paródia.

Juro que poderia dizer que ele tinha algum problema mental, era um comportamento indefinido, eu estava bêbada de canseira, num lugar diferente, bem não estava lá nas minhas faculdades mentais favoráveis e nem tranquilas (desculpem o trocadilho).

Cheguei a pensar que tinha entrado num daqueles ônibus de excursão que levavam grupos para algum lugar longe, os quintos do inferno por exemplo.

Minha cabeça trabalha de forma criativa e esquizofrênica na maioria das vezes, portanto criei uma história: a crer que o garotinho tivesse a mãe e o pai, os dois estavam se encoxando aos fundos do ônibus (casal apaixonadíssimo) e o chapeludo fosse o tio e a gorda, a tia ou cunhada. Pronto comecei a suar frio, e o que eu fiz, claro, a coisa mais sensata a se fazer, nada.

Lembrando agora essa situação era só levantar e perguntar ao motorista ou o cobrador? Aliás onde estava o cobrador?

Um lampejo de racionalidade invadiu minha mente, levantei e notei que exatamente o rapaz que julguei ser o Duffy era o cobrador do ônibus, contudo minha tranquilidade foi breve.

– Boa noite, por favor, pode me informar pra onde vai este ônibus? _ indaguei nervosa.

Ele balbuciou um nome, que não pude compreender totalmente (Eu só pensava em caralho, puta que pariu, que merda). A certeza aqui era que o nome citado não era para onde eu pretendia ir.

– Mas qual a rota que este ônibus faz? – Perguntei

O cobrador indiferente, disse o nome das cidades por onde passava, ouvi no meio de algumas palavras, o nome do meu destino, aliviei, peguei o ônibus certo afinal. Mas só pra desencargo de consciência eu fiz a perguntinha crucial.

– Mas esse ônibus, passa por dentro da cidade?

– Não moça, passamos próximo. Resmungou o cobrador mastigando um palito de madeira na lateral da boca.

Pronto parecia que tinha visto o crush, coração pulou pela boca. A quantidade de palavrões que eu consegui pensar, ultrapassou a velocidade da luz.

Mesmo que ele fosse pra cidade mais próxima, não teria ônibus quando chegasse pra voltar e um detalhe mais importante, eu não tinha muito dinheiro pra ficar fazendo um passeio turístico à noite às… olhei o relógio 22:35.

– Mas moço, onde exatamente é “próximo” que esse ônibus passa?

– Olha ele passa em frente da cidade. Dá pra parar no meio da pista e a senhora desce. Disse o cobrador irritado tentando preencher o recibo da minha passagem.

– Mas agora à noite eu não posso atravessar a pista, além do mais, está muito escuro, isso seria mais que perigoso.

O cobrador estava me dando um “vai a merda” mental, desconversou e perguntou qual seria o destino da passagem pra reajustar o preço. Eu desistindo de qualquer argumento, disse o nome da cidade e ele balbuciou:

– São 14,75 dona!

– Quatorze reais e setenta e cinco centavos! Mas tudo isso! A minha cidade não é tão longe assim, vocês que estão lentos demais pra chegar onde preciso.

Lentos? Como assim? Eu dei o argumento mais esdrúxulo que poderia imaginar. Lentos?

A minha burrice tinha me levando fora da zona de conforto e a única coisa sensata a fazer foi entrar em desespero. O cobrador pouco se importava em colaborar com uma doida (eu) às 22:00.

Murphy estava se divertindo muito comigo nesse dia. Com dinheiro contadinho e longe de ser R$ 14,75, estava eu de olhos arregalados e tentando ajustar meus pensamentos, mas o que eu pensava era: Terei que descer no meio da rodovia no escuro. Fudeu!

 – Olha moço, eu estou quase chegando na cidade e não tenho quatorze reais e setenta e cinco centavos pra pagar, e além do mais o meu destino não pode valer mais que de cinco reais, eu só tenho isso na bolsa, me desculpe, mas não posso pagar tudo. – Disse com os olhos marejados, implorando piedade ao meu executor.

O cobrador visivelmente “puto-da-vida”, vez uma linda careta, do tipo “Parem esse ônibus, essa caloteira vai descer aqui mesmo”, fiquei angustiada.

Finalmente Murphy teve piedade. Ele aceitou as moedas e foi pra frente do ônibus sem dizer nada, depois voltou e apenas me perguntou a onde eu queria parar.

Venci, cheguei ao topo das escadarias (referência Rocky Balboa). Levantei fui para frente para indicar o local. Percebi que não tinha como dizer onde iria parar, porque não dava pra enxergar nenhum ponto de referência na porra da estrada. Não tinha uma pedra que me ajudasse.

Fiz “uni-duni-te” e indiquei um lugar, me guiei pelas luzes da cidade no lado oposto.

– Motorista pare aqui mesmo, por favor!

O motorista prontamente seguiu minha ordem e parou, desci do ônibus, sem saber onde pôr a cara, dei um “boa noite” e esperei o ônibus se afastar.

Dei um chute e foi fora, parei bem longe, tive que atravessar duas pistas no meio da noite e andar um bocado pra chegar em casa.

Morta de canseira, uma chegada muito maluca, eu queria tomar um banho, deitar sem dar satisfação a ninguém. Abro o portão de casa, tudo no mais absoluto silêncio como de costume. Olho no relógio 23:10, está tarde pra quem teria que acorda 6:00 horas dia seguinte.

Ah, finalmente cheguei em casa, pensei. Suspirei profundamente.

Abro a porta, tudo escuro, isso já não era normal e num baque:

– Parabéns pra você, nesta data querida, muitas felicidades, muitos anos de vida…

Detalhe, era o dia do meu aniversário, milagrosamente esqueci. Não tinha como lembrar, concordam?

A única coisa que eu desejei ao soprar as velas era dormir, estava anestesiada.

Meio abobalhada agradeci, fiz sala, conversei, ri e fiquei até o último convidado sair as 3:00 horas.

Fui deitar. O despertador tocou, mais um dia.

Francine Oliveira Escrito por:

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