Quincas Berro D’água, Jorge Amado no melhor estilo fantástico.

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Para quem leu O nariz, de Gógol, ou O Demônio da Garrafa de Stevenson, maravilhas da literatura fantástica, ficará impressionado ao saber que o nosso bom e velho Jorge Amado também produziu algo no melhor estilo fantástico. A Morte e a Morte de Quincas Berro D’água é um exemplo da maestria do baiano que ainda continua encantando milhares de leitores. A história desse pequeno livro é muito boa. Nos faz refletir, questionar e, além disso, nos proporciona boas risadas.

Joaquim Soares da Cunha, mais conhecido Quincas Berro D’Água, foi um homem respeitável, exemplar funcionário público no auge da vida com seus cinquenta anos. Quincas levava uma vida aparentemente perfeita, ao lado de sua esposa, Otacília (já morta no início do livro) e sua filha, Vanda. Porém, em certo dia, Joaquim decide largar tudo e todos, e entrega-se a vida boêmia, com prostitutas, andanças pelos becos da cidade e com longas bebedeiras, que envergonham sua família, e cai no mundo para não mais voltar. Daí sua primeira morte, a moral, abandonando a família que parece sufocá-lo.

Após a primeira morte, Quincas é encontrado por uma velha, em um humilde e esfarrapado barraco em condições subumanas, um verdadeiro farrapo humano. Esse fato desencadeia o martírio de sua família, que além de não ter esquecido as humilhações que as bebedeiras do morto lhes causaram, ainda precisam arcar com as despesas do velório e enterro.

Jorge Amado aqui entra para nos apresentar o psicológico dos personagens, um a um, em seus dramas. Vanda, filha do falecido, tem lembranças boas e ruins do pai, entretanto, só consegue ao lado do caixão, recordar-se das ruins, e isso a deixa confusa e angustiada, pois quer sentir ódio mortal do pai, mas no íntimo de seu espírito não consegue.

O irmão, Eduardo, usa a contra gosto economias para deixar o defunto bem vestido e apresentável no velório. Todos os parentes tentam terminar o mais depressa possível com as cerimônias, numa espécie de marcha do esquecimento, pois querem enterrar Quincas e nunca mais recordar suas bebedeiras e vexames.

Um aspecto curioso, e que deixa os familiares de Quincas ainda mais perplexos e revoltados, é que o morto, mesmo no caixão, parece rir deles. Um riso debochado, como quem zomba da vida dos outros. Sonho ou realidade? Terá realmente Quincas partido para o outro mundo?

Essa pergunta parece não ter uma resposta, ainda mais quando quatro amigos de bebedeira de Quincas chegam ao velório, e inconformados com a morte do amigo, decidem lhe dar um adeus diferente. O resultado? Jorge Amado faz com que Quincas Berro D’água saia pelas ruas de Salvador rindo, de braços dados com um grupo de beberrões sem eira nem beira. O que lemos é uma narrativa fantástica brasileira, que une tragédia e comédia de um modo bastante peculiar, algo que somente uma mente com a de Jorge Amado pode conseguir.

Felipe Terra Escrito por:

Professor e amante da arte literária, atua na área da educação desde 2011. Viciado na música de Bach, Mozart e Chet Baker, e na literatura de Raymond Chandler, Ross Macdonald e Paul Auster. Ama escrever e acredita que poderia ler mais, porém, precisa dormir, infelizmente. Consegue passar horas jogando pôquer ou xadrez com os amigos. Degustar pizzas de queijo e bacon é um dos passatempos prediletos em horas de fome extrema.

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