maio 1, 2025 / / Música

A importância do Abbey Roça para a comunidade de músicos e bandas locais do Interior de São Paulo

No coração do interior de São Paulo, onde o asfalto cede espaço para estradas de terra e o som dos pássaros se mistura com acordes de guitarra, o Abbey Roça emerge como um farol para a cena musical independente. Mais do que um festival, o evento, organizado por Hiro Ishikawa em Socorro, é um movimento cultural que pulsa vida na comunidade de músicos e bandas locais, oferecendo um palco para vozes que, muitas vezes, ecoam longe dos holofotes das grandes capitais. Desde sua criação em 2018, o Abbey Roça tem se consolidado como um espaço de resistência, celebração e transformação, redefinindo o que significa fazer arte no interior do Brasil.

O festival, que já passou por incontáveis edições até 2025, sendo grande parte sem sua sede em Socorro e em outras cidades como Piracaia e São Paulo no formato itinerante. Nasceu com uma missão clara: dar visibilidade às bandas locais e criar um ambiente onde a música autoral pudesse florescer sem amarras. Inspirado pelo espírito do-it-yourself (DIY) do punk e pela energia crua do rock independente, o Abbey Roça não se limita a ser apenas um evento anual. Ele se desdobra em um selo musical, uma plataforma de divulgação e uma rede de apoio que conecta artistas, produtores e público. Para músicos do interior, onde oportunidades são escassas e o acesso a estúdios ou grandes palcos é um desafio, o festival é um oásis de possibilidades.

“O Abbey Roça é um dos raros festivais na região do Circuito das Águas, no interior de SP que tem uma importância tremenda no meio musical, principalmente no cenário independente!! Ajuda a fomentar a cultura e contra cultura dentro do cenário musical, além de dar voz a inúmeros artistas e bandas locais para exporem seus trabalhos e trocarem com o público que nessas cidades pequenas são bem carentes de bandas autorais que dialoguem de maneira recíproca com eles” (Tito Cepoline, vocalista do Sujeito a Lixo)

Hiro Ishikawa, baterista da banda Sorry For All, resume o impacto do evento em uma entrevista ao podcast Abutres Não Ouvem Jazz: “O Abbey Roça é tipo uma casa pra gente. Você chega, toca, encontra os amigos, e sente que tá fazendo parte de algo maior”. A banda, que mistura punk rock com uma irreverência caipira, é um exemplo perfeito do tipo de artista que o festival abraça. Formada em Socorro, interior de São Paulo, a Sorry For All encontrou no Abbey Roça um espaço para mostrar seu som cru e autêntico, gravado em sítios e levado aos palcos com uma energia contagiante. O festival não apenas deu palco para o trio, mas também impulsionou sua trajetória, com o lançamento do álbum Too Noia To Die reverberando na cena local.

A relevância do Abbey Roça vai além de proporcionar shows. Ele atua como um catalisador para a profissionalização de artistas. O selo Abbey Roça, criado também por Hiro Ishikawa, já lançou trabalhos de bandas como Mevoi, Sonora Fantasma e Os Almeida, todas representantes de uma nova geração de músicos que misturam rock alternativo, psicodelia e experimentação. O Mevoi, por exemplo, estreou com o single “Serguei” e, mais tarde, lançou o álbum Seja Lá o Que Isso Seja, um mergulho plural no art-rock que reflete a liberdade criativa incentivada pelo selo. Já o Sonora Fantasma, duo formado por Diego da Costa e Miichs Oliveira, usou o selo para lançar singles como “O Provável e o Possível” e o EP Adeus Mundo Veio, explorando sonoridades que transitam entre o folk e o rock alternativo. Esses lançamentos não apenas colocam as bandas no radar, mas também mostram que o interior de São Paulo é um celeiro de criatividade.

“O Abbey Roça é o lugar que a gente sempre sonhou em ter na nossa região: um espaço onde as bandas podem levar suas composições sem correr o risco de alguém pedir um cover, e onde as pessoas vão de mente aberta para ouvir coisas novas e rever os amigos. Não tem como não se sentir vivendo algo parecido com os relatos do livro Mate-me Por Favor, que fala sobre o começo da cena punk nos Estados Unidos e conta histórias do icônico CBGB. Para mim, o Abbey é o nosso CBGB. Além disso, ele foi responsável pela criação de várias bandas, que finalmente puderam ter um lugar para tocar.” (Vitor Formagio, guitarrista e vocalista do Rolimã)

Para Os Almeida, dupla paulistana que voltou à ativa após 15 anos, o Abbey Roça foi um marco. O lançamento de seu primeiro álbum em mais de uma década, apoiado pelo selo, trouxe uma mistura de rock clássico e letras introspectivas, provando que o festival valoriza tanto novatos quanto veteranos. Essa diversidade é um dos pilares do evento: não há uma fórmula rígida para o som das bandas. Do punk roça da Sorry For All ao art-rock expansivo do Mevoi, o Abbey Roça celebra a pluralidade, permitindo que cada artista traga sua identidade ao palco.

O festival também se destaca por sua conexão com a comunidade. Diferentemente de grandes eventos urbanos, onde o público muitas vezes é apenas espectador, o Abbey Roça cria um senso de pertencimento. Os shows, muitas vezes realizados em espaços alternativos como sítios, bares ou centros culturais, têm uma atmosfera intimista que aproxima músicos e público. A playlist de shows no YouTube, com registros de apresentações vibrantes, captura essa energia única, mostrando bandas entregando performances viscerais enquanto o público canta, pula e se conecta. É um lembrete de que a música independente vive de trocas genuínas, longe das lógicas mercadológicas das grandes gravadoras.

“O Abbey roça nasceu da necessidade de ter um lugar pra tocar as próprias composições, pelo fato de que a região não abre muito as portas pra bandas que não sejam bandas cover. E acabou virando muito mais que isso, virou um lugar pra se montar novos projetos, conhecer novos artistas, encontrar velhos amigos e até conhecer pessoas que organizam outros festivais. Acaba abrindo a porta pra muita coisa acontecer” (Helder Vilhena, baterista das bandas Crasso Sinestésico e Peixes Fritos)

Outro aspecto crucial do Abbey Roça é sua capacidade de abrir portas para colaborações e redes de apoio. A presença de bandas como Test, Mee, Moto Sierra, Peixes Fritos, Churumi, Rolimã, Regina, Crasso Sinestésico, Desmorto etc mostra como o evento conecta o interior ao cenário nacional e até mesmo internacional. Essas parcerias elevam o padrão da cena local, inspirando músicos a sonharem maior. Para muitas bandas, tocar no Abbey Roça é o primeiro passo para circular por outros festivais, buscar oportunidades para gravar em estúdios profissionais ou alcançar plataformas de streaming.

A resistência cultural promovida pelo Abbey Roça também tem um impacto social. Em um contexto onde o interior muitas vezes é visto como periférico no cenário cultural brasileiro, o festival desafia estereótipos, mostrando que a produção artística local é tão potente quanto a das metrópoles. Ele empodera músicos que, sem o evento, poderiam ficar presos a bares pequenos ou ao anonimato. Como diz Diego Fernandes, fundador da Duofox, em sua minibio da página quem somos: “A arte é o que nos mantém acordados, longe do limbo”. O Abbey Roça é exatamente isso: um despertador para a criatividade e a identidade cultural do interior.

“o Abbey roça e o lugar mais abrangente e mais democrático que conheço, vc consegue tocar tranquilamente lá sem precisar ser envolver em panelas de bandas ou puxar o saco de alguém pra tocar, basta vc ter uma banda e ser gente boa, e o espaço que toda cidade deveria ter, ali se formam bandas, se cultiva a paz e a amizade” (Diego Gomes Menezes, guitarrista e vocalista da banda Churumi)

Além disso, o festival tem um papel educativo. Para os músicos, é uma escola prática de produção, divulgação e performance. Para o público, é uma oportunidade de descobrir novos sons e valorizar a cultura local. A cobertura do evento, com podcasts, artigos e vídeos produzidos pelo Duofox, reforça essa missão, documentando a história da cena independente e inspirando novas gerações. O podcast Abutres Não Ouvem Jazz, por exemplo, dedica episódios a bandas como Sorry For All, misturando entrevistas descontraídas com análises profundas da música independente em 112 episódios no spotify e outras plataformas digitais.

O Abbey Roça também enfrenta desafios. A falta de recursos financeiros e a dificuldade de atrair público em um local afastado do centro da cidade são obstáculos reais. Ainda assim, a resiliência de Hiro Ishikawa e o apoio da comunidade mantêm o festival vivo. Cada edição é uma vitória, um grito de que a música autoral no interior não apenas sobrevive, mas prospera.

Em suas inúmeras edições, o Abbey Roça já deixou um legado inegável. Ele transformou Socorro (SP) em um ponto de referência para a música independente, colocou bandas locais no mapa e criou uma comunidade onde artistas se sentem valorizados. Para os músicos do interior de São Paulo, o festival é mais do que um palco: é um símbolo de resistência, um espaço onde sonhos ganham forma e a arte encontra seu lugar. Como Hiro Ishikawa bem colocou, “é uma casa” – e, nessa casa, a música nunca para de soar.

Referências

CategoriasMúsica

Diego Fernandes Escrito por:

Bebedor desenfreado de café, Diego é desenvolvedor front-end e professor. É o fundador do Duofox. Na literatura não vive sem os russos Tolstói, Dostoiévski e Anton Tchekhov e consegue "perder" tempo com autores da terra do Tio Sam, Raymond Chandler e Melville. Acredita que a arte de maneira geral é a única forma de manter o ser humano pelo menos acordado, longe do limbo que pode levar a humanidade à Encruzilhada das Almas.

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