Relutei um pouco comigo mesmo para decidir como falar do livro Mayombe, do angolano Pepetela. Esse é um livro peculiar e talvez um dos mais interessantes que me caíram nas mãos nos últimos dois anos.
Aqui eu deixarei minhas impressões pessoais sobre o romance que é muito mais polifônico do que eu imaginava, e vocês entenderão a razão.
Por ser uma leitura que vestibulares de outros tempos colocaram como obrigatória, ficou “fácil” mergulhar na leitura por saber um pouco do enredo. Confesso que a temática inicial não me chamou muita atenção.
O que é importante entender, e isso faz uma enorme diferença durante a leitura da obra, é que Mayombe é um romance que conta a trajetória e dilemas de um grupo de guerrilheiros do Movimento Popular de Libertação de Angola, o MPLA.

O autor, na década de 70, atuou como membro combatente nos movimentos armados, isso já garante a realidade dos fatos narrados e a construção de um enredo com muita propriedade.
Mayombe é uma grande região florestal tropical e com diversas montanhas que fica em Cabimda, na Angola, abrangendo também o Gabão e Congo.
Esse é o cenário e o universo que Pepetela arquiteta para nos trazer diversas questões sobre comportamento humano, amizade e lealdade, sobre caráter moral e filosófico e muitas outras discussões que os homens (sim, o romance é uma mesa plana para a discussão do machismo, pois a figura feminina só aparece em alguns trechos, mas sempre sob a pele de uma traidora ou até mesmo como prostitutas) travam ao longo dos dias que passam cruzando a floresta para cumprir uma determinada missão.
Meu objetivo aqui não é revelar o enredo. Quero deixar registrado que esse é um livro necessário a qualquer um que pretenda e queira compreender mais sobre as tradições enraizadas nas culturas da Angola, Congo e tantos outros preceitos africanos de modo geral.
CULTURAS QUE AMPLIAM O CONHECIMENTO DE MUNDO
O livro tem muita, mas muita referência ao tribalismo, o que gera uma boa parte dos conflitos na história. O racismo também surge nas conversas e paira por todo o livro feito uma nuvem carregada.
Os personagens, todos batizados com nomes de guerra, algo comum dentro do movimento de guerrilha, vão dialogando e apresentando para nós, observadores, suas visões sobre tudo o que acontece.
Esse é motivo de chamar Mayombe de romance polifônico. Vários narradores e vozes apresentando seus dilemas e traumas. E fazem isso ora sob o viés político social, filosófico e até mesmo sob o ponto de vista preconceituoso que desfila entre os próprios personagens.
Não achei desleal o modo como Pepetela joga na cara de quem lê os problemas mais severos que o mundo (Mayombe) enfrenta.
VERDADES SEM LICENÇA
Pepetela é um escritor tal qual muitos outros, que diz exatamente o que tem a dizer sem pedir licença. Ele nos deixa à vontade para gostarmos desse ou daquele personagem, para achar que as mulheres são ou não traidoras, se é humano ou não fuzilar um amigo por conta de uma mentira ou se matar o inimigo é sempre a melhor solução. Julgamentos abertos e livre escolha.
Mayombe para mim foi uma leitura construtiva e muito enriquecedora. Tive com essa leitura, a oportunidade de entrar em contato com a cultura de povos que eu não conhecia. E por fim, me colocou frente a frente com homens angustiados e cheios de histórias tristes, homens que vão à guerra para matar não somente o inimigo, mas principalmente para vencer seus medos, traumas passados e preconceitos infinitos.
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