No coração do Mar, a tragédia que inspirou Moby Dick

Imagine. Você está perambulando entre as prateleiras de um sebo qualquer, em busca de um livro que não encontra em canto algum, e acaba dando de cara com um que te chama atenção, seja pelo título sugestivo e intrigante, ou pelo nome ridículo que você não sabe de onde o autor o tirou. Conseguiu montar essa cena na sua cabeça?

Ótimo. Certamente você já deve ter passado por alguma situação semelhante.

Pois bem, No coração do Mar, de Nathaniel Philbrick, foi um desses achados. Ao procurar por um compilado de contos de Raymond Chandler (o maior escritor policial do mundo, na minha ridícula opinião) e alguma coisa do mestre Stephen King, acabei esbarrando nesse livro. Num primeiro momento, por conta do título e por não estar longe de “lindos” e grossos volumes de Danielle Stell, achei que seria mais um daqueles romances água com açúcar, de fazer qualquer cara menstruar e garotinhas terem um orgasmo.

Fui enganado até o fundo da alma. O subtítulo do livro foi certeiro, não erro em dizer que me atraiu mais do que uma loira solitária num bar à meia luz.

No coração do Mar – A história real que inspirou o Moby Dick de Melville.  Qualquer ser que conheça um pouco de literatura sabe que Moby Dick é um dos maiores romances da literatura (Em minha lista, cá entre nós, é o maior entre os americanos, me desculpe quem defende outra teoria). Rapidamente peguei o livro, folhei-o e li a sinopse. Parecia interessante, ainda mais para quem já tido lido a magnânima obra de Melville.

Comprei o livro por míseros R$ 15 reais. Ótimo investimento, se levarmos em consideração que novo me custaria R$ 68, grana que daria para abastecer o carro e ir ao cinema. Após um trilhão de tarefas cumpridas em casa, me joguei no sofá e li as primeiras dez páginas, numa espécie de reconhecimento militar. Sem trocadilhos baratos, o livro me fisgou. Li no mesmo dia umas 120 páginas. Ao final delas, estava extasiado pela força da história.

O autor-Nathaniel-hilbrick

O livro é um profundo e bem escrito documentário sobre a vida, crença, fé, esperança, amizade e acima de tudo, sobre os limites do ser humano.

Você deve estar torcendo o nariz e pensando. “Grande coisa, mais um livro baseado em fatos reais e com um fundo de auto-ajuda.” Não. No coração do mar ultrapassou todas as expectativas.

Para compor o livro, o autor trabalhou durante anos coletando relatos, cartas, lendo diários de bordo de diversos marinheiros e capitães, além de viver na região de Nantucket, uma comunidade que na época tinha quase 8 mil habitantes e que vivia basicamente da caça às baleias.

Em agosto de 1819, um navio baleeiro chamado Essex, partiu do porto de Nantucket, EUA. Tripulado com 21 homens, entre eles, negros, jovens americanos e o “inexperiente” capitão George Pollard Jr. O objetivo desses homens do mar era trazer, nos porões do velho navio, barris transbordando óleo de baleia. Entretanto, a viagem que a princípio seria uma aventurosa e lucrativa caça às baleias transforma-se num dos maiores pesadelos e desastres náuticos de que se tem conhecimento, perdendo apenas para o Titanic, em abril de 1912.

Após meses navegando, em uma das investidas em oceano aberto para matar baleias, o Essex, cansado de velejar, chega a sua última viagem. Segundo marujos da época, e o próprio autor do livro, nunca, até aquele dia ensolarado de 20 de Novembro de 1820, uma baleia havia atacado um navio. Mas esse dia chegou quando um cachalote macho, enfurecido e de proporções gigantescas, beirando 26 metros, investiu duas vezes contra o casco do navio, destruindo e levando-o ao fundo do Pacífico Norte em menos de quinze minutos.

O que se segue após o naufrágio, é uma desesperada luta para sobreviver em mar aberto, longe da terra firme e com mantimentos quase escassos. Entre os destroços do navio, os homens conseguem resgatar porções de bolachas, duas tartarugas suculentas e uma quantia razoável de água doce. A narrativa de Philbrick é magistral. Trata do assunto como um verdadeiro romance de aventuras. Mas é também uma aula sobre biologia marinha, náutica, companheirismo, e sobre até onde o ser humano é capaz de chegar para sobreviver. Até onde os 21 homens poderiam chegar em condições adversas? Estariam fadados à morte? O que homens em estado de quase loucura são capazes de fazer para conseguir alimento?

Fotografia de Francis J. Mortimer, 1911.

Conforme os dias passam, os tripulantes, divididos em três pequenos botes, vão definhando, levando à extinção os mantimentos que vinham racionando durante os mais de 50 dias em mar aberto.

Esse período é apresentado ao leitor através do perfil e visão de cada marujo, informações que Philbrick extraiu de anotações de um dos sobreviventes da tragédia do Essex, um jovem de 14 anos, Thomas Nickerson, o camareiro da tripulação. Outros personagens merecem destaque, como o capitão George Pollard, humilde demais para desempenhar sua função, e Owen Chase, seu imediato, homem forte e rude, mas dono de uma alma cheia de companheirismo e lealdade, duas figuras marcantes dentro da história e fundamentais para o fim do martírio da tripulação.

O desfecho do livro é surpreendente até mesmo para os leitores acostumados com histórias desse tipo. Uma narrativa épica e de coragem, ondas de tristeza e angústia percorrem todo o livro, mas em momento algum desistimos de acreditar que tudo acabará bem para os pobres homens de Nantucket.

No coração do Mar. Um livro perfeito. Leve, interessante e uma aventura magnífica. São raras as histórias reais narradas de forma tão brilhante. E esse livro é uma dessas raridades.

Felipe Terra Escrito por:

Professor e amante da arte literária, atua na área da educação desde 2011. Viciado na música de Bach, Mozart e Chet Baker, e na literatura de Raymond Chandler, Ross Macdonald e Paul Auster. Ama escrever e acredita que poderia ler mais, porém, precisa dormir, infelizmente. Consegue passar horas jogando pôquer ou xadrez com os amigos. Degustar pizzas de queijo e bacon é um dos passatempos prediletos em horas de fome extrema.

Um comentário

  1. Livian
    julho 16, 2016
    Responder

    Ótima leitura… O escritor descreve tudo muito á fundo na realidade.

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