Mergulho em nossos silêncios diários

Nos entardeceres hostis, sobrevive o genuíno e inabalável amor materno. Na deslealdade de dias impiedosos, nem o mais deplorável estado humano é capaz de silenciar o som do amor.

Dentre seres convulsos, que cruzam as avenidas fritando o mundo, resiste-se. Mesmo na insuficiência de braços da figura mater, que insiste em impedi-la de abraçar simultaneamente numerosas crias, vê-se no pequeno reflexo de suas pupilas, a imagem das faces afetuosas de cada um dos meninos que a cercam na certeza de que ali sempre se encontrará o mais puro abrigo.

Quando o horror impera, cabe à inocência, sobressair-se e sobreviver. Ainda que com isso, esteja por vir mais um dia de dor. No frio cortante da noite, ainda pode-se observar o singelo encontro de almas consonantes. Vê-se na face castigada do menino ingênuo, um semblante que exibe um emaranhado de sentimentos inconfessos.

As impossibilidades devoram e o fazem, em seu estado marginal, tecer um caminho incerto, doloroso, que exige de mais de sua evidente fragilidade. Em seus anseios mais puros, reside o desejo de passar a vida inteira sob o olhar destes olhos. Impossível prever os caminhos que o destino reserva aos desdenhados. Estejam onde estiverem, parecem sempre estrangeiros. Em suas andanças, pesa a ausência de familiaridade. Tudo lhes é estranho. Neste aborrecido mundo, seus corpos sem morada, rastejam aos montes, rogando esmolas.

Do outro lado oposto da avenida, amontoam-se outros andantes. Arrastam mochilas que hospedam o emudecido de suas histórias. Aglomeram passados profundos, inacessíveis à superficialidade dos olhares que os condenam mil vezes em meio segundo. Não há como saber se é o presente ou se são as memórias o que mais os assombram nestes dias regados de desprezo.

A grande maioria das pessoas passa e finge não ver o escancarado sucumbir destes corpos. Estão todos hipnotizados e abrutecidos, na futilidade ininterrupta das incontáveis telas dos smartphones. Seus olhos opacos, anseiam convulsionados, por notificações que dizem cada vez mais nada e conduzem a um vazio cada vez mais profundo e inóspito. Vivem uma vida em resumo. Gastam os dedos com movimentos desvairadamente repetitivos. Estão; apenas como pobres corpanzis moribundos.

Diferente daqueles que rastejam na crueza dos dias, estes não são considerados como malditos. Caminham em largos e seguros passos. Mergulham-se demasiadamente em boçais gargalhadas, escondem-se, quando na verdade, tudo quer ser pranto. Os esquecidos, andantes, sem morada, muitas vezes são clandestinos nas próprias vidas. Buscam asilo em qualquer teto que ofereça o mínimo de acolhimento. Seja onde for, estão sempre de passagem.

Nas varandas de simplórios casebres, sentam-se todos em posturas similares, talvez querendo indicar que apesar das subjetividades, possuem desejos comuns. O que escondem todos estes silêncios? As distrações nascem através do pouco que dividem uns com os outros, em narrativas brevemente interrompidas pelo fino cigarro de palha, que passa de mão em mão e vai de boca em boca. Escutam-se todos, sem julgamentos, sem nojo e na mais atenta e recíproca sinceridade.

Guilherme Moura Brito Escrito por:

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