“A Extinção das Abelhas”, de Natália Borges Polesso, é um escrito cru e comovente sobre as imagens do mundo que costumávamos lembrar e que já não existem mais.
É distópico, mas muito realista. Quase uma crônica de como a ausência das abelhas desencadeou uma confusão de eventos que levou à queda da civilização como a conhecemos.
A fragilidade da existência humana em cada personagem mergulha em um cenário onde a natureza está em colapso e nos convida a refletir sobre as consequências da destruição ambiental, a perda de laços familiares e sociais e a substância da solidão.
O texto transcende a ficção. Aproxima. Incomoda.
É dividido em três partes, sendo o ritmo bastante orgânico, onde cada última palavra de um capítulo também é o título do capítulo seguinte. Uma escolha feliz.
A primeira parte do livro apresenta a protagonista multifacetada Regina, uma quarentona com hipertensão e diabete. Sua mãe fugiu com o circo e o pai morreu, como que por desgosto. Sua vida é marcada por perdas e a busca por significação e conexão com a vida e os outros.
“As pessoas vão embora, e isso é uma realidade. Sua mãe vai embora, seu pai vai embora, sua namorada chata vai embora, sua melhor amiga-irmã vai embora, as pessoas que cuidaram de você desde pequena e que você reluta em chamar de família de um jeito ou de outro vão embora, seus vizinhos vão embora. Você vai embora. Tudo some. Ora dessas morre. Você sai da vida das pessoas. Desaparece. Não sabe de nada e, quando as vê completamente diferentes do que eram, você acha estranhíssimo.”
Neste novo mundo sem a polinização das abelhas, as plantas murcharam e morreram e quando é possível encontrar uma fruta, está sem sementes.
Uma das consequências da destruição ambiental se dá na paisagem e na sobrevivência humana. Nas ruas, as pessoas ricas passam apenas dentro de carros e as empresas são responsáveis pela alimentação da população em porções nada nutritivas.
A terra é seca. A decoração, um entulho.
“Mãe, eu lembro que tu dizia para lavar bem as frutas para tirar o veneno. Pois não adianta mais. Nem lavando. Tá tudo envenenado. Tá tudo desmatado para criar gado, mas a carne é cara igual. Tem um monte de gente morando na rua. As coisas foram ficando ruins, muito rápido”
Além disso, surgem outras formas de “segurança”, como as milícias e grupos armados. E a insegurança continua para os grupos que já eram discriminados. Principalmente a população lésbica e trans são atingidas por jogos de extermínio controlados de forma online, tendo até pontuação para quem matar mais.
Na segunda parte, os espelhamentos de mãe e filha se tornam mais evidentes. Conhecemos a sombra de uma em outra e os fantasmas da trajetória errante de uma a partir da outra.
“Vez ou outra eu precisava cobrir o peito com uma almofada, apertar algo contra ele para preencher o vão de alguma coisa esquisita para a qual eu nunca teria definição.”
A reflexão que fica é: o que resta da humanidade quando somos privados de nossas relações uns com os outros e com o mundo natural? Como encontrar esperança em meio a destruição?
Quando as abelhas deixaram de existir, os dias se tornaram nublados e cheios de névoa. O que sobrou são restos de comida, de plástico, de lixo eletrônico, de gente.
Há um tom jornalístico e a voz do colapso se torna o narrador dos capítulos. São registrados os índices do “colapsômetro”, um tipo ficcional de medida de proteção e segurança planetária que informa a temperatura tolerável para os países.
Na terceira parte, as sanções políticas e econômicas desertificam todos os espaços e como vocês devem imaginar, o colapso não é igual para todas as classes. A resistência também não.
E apesar das adversidades, os personagens começam a enfrentar o desafio de reconstruir a vida em meio a escuridão. A possibilidade de reconciliação se dá no momento em que se entende a importância da solidariedade e cuidado mútuo.
Regina aos 24 anos achava que ser adulta era se virar sozinha, ser independente. Aos 40, ela entende que ser adulta tem a ver com saber cuidar das pessoas.
Como não é um livro sobre o apocalipse em si, onde os personagens precisam derrotar algo ou chegar a algum lugar seguro, o fim desse caos é uma revelação de como as nossas ações alteram o destino coletivo do mundo.
Regina se reconcilia com a comunhão do mundo no último capítulo. E eu te convido a lê-lo para descobrir como.
Ficha técnica:
Título: A Extinção das Abelhas
Autora: Natália Borges Polesso
Editora: Companhia das Letras
Ano de publicação: 2022
Número de páginas: 312
Gênero: Ficção distópica, romance lésbico
seja o primeiro a comentar