Dom Casmurro e seus mistérios insolúveis

A literatura de Machado de Assis parece nunca sair de moda. Machado é um daqueles escritores que pouca gente ousa falar mal. Há quem diga que ele e sua obra são intocáveis.

Mas o que torna as narrativas machadianas produto de estudos e questionamentos mundo afora?

A resposta dessa pergunta com certeza a nossa querida leitora Stella Oliveira também está aguardando, afinal, esse artigo foi uma sugestão dela na semana passada!

Uma narrativa que intriga o leitor com perguntas eternas

Quem leu um dos mais famosos romances do autor saberá que pergunta eterna é essa.
Capitu traiu ou não Bentinho?

Esse é sem dúvidas um dos maiores enigmas da nossa história literária. O leitor termina de ler o romance Dom Casmurro e se vê derrotado querendo saber a resposta.

O escritor Otto Lara Resende acha absurdo que fiquemos levantando hipóteses, pois segundo relatos de época, Machado morreu em 1908 e o livro foi publicado em 1900, ninguém, um crítico literário sequer, levantava suspeita de algo que não fosse a traição de Capitu.

A época faz toda a diferença

Se considerarmos a sociedade da época, podemos dizer que o machismo falava mais alto e que a mulher sempre acabava como a promiscua da história.

Fato é que Capitu tinha uma atmosfera e misticismo que a envolvia, mas uma coisa ela não era, e Machado nos deixa crentes disso, não era uma devassa.

“Capitu, apesar daqueles olhos que o diabo lhe deu… Você já reparou nos olhos dela? São assim de cigana oblíqua e dissimulada. Pois apesar deles, poderia passar, se não fosse a vaidade e a adulação. Oh! a adulação!”

O problema desse romance, na visão dos mais concretistas, é que Bentinho era muito obcecado por Capitu. Sua doença do ciúme o devorou tal qual Saturno devorando um de seus filhos no quadro de Goya.

Saturno devorando um de seus filhos, uma releitura. A pintura original é de Francisco de Goya (1746-1828) um dos maiores mestres da pintura espanhola.

Sentir ciúmes de Capitu por que? Oras, ela era bonita, não neguemos que era inteligente e sabia seduzir os homens a sua volta mesmo que não quisesse. Era a mulher perfeita para virar a cabeça de qualquer um.

No livro todo temos a visão e fala de Bento sobre os acontecimentos. Capitu é a personagem de uma história da qual participa como protagonista, mas que no fundo, não pode se defender.

As personagens que rodeiam o casal também não colaboram muito em defesa da moça com olhos de cigana oblíqua e dissimulada.

Com exceção de Bentinho, nenhum outro personagem deixa transparecer muito afeto por Capitu. Ela está em meio a uma rede de conspirações veladas. Bentinho não é o santo, nem ela, ambos tem segredos que as entrelinhas ocultam e que Machado de Assis preferiu deixar assim.

Machado de Assis adorava tirar sarro dos leitores

Incrível como Machado adorava zombar dos leitores! Ele faz isso sempre em suas histórias, leia e repare. Seja nos contos, romances ou crônicas, ele sempre tira uma com a nossa cara. Dom Casmurro é um exemplo disso.

Joaquim Maria Machado de Assis. Perfil do autor de 1904. Arquivo Nacional.

Milhões de olhos já percorreram as páginas do livro para tentar descobrir a resposta da pergunta. Como e por que ninguém a encontra? Fácil, pois a resposta só Machado tinha, e ele a levou para a cova quando despediu-se do mundo.

“Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria.” 

O brilhantismo de Dom Casmurro vai desde o capítulo de abertura, onde o autor explica o nome do livro e apelido do personagem, passando pelas alucinações e ponderações de Bento Santiago, insinuando que Capitu olhava de modo devasso para seu amigo, Escobar.

Um livro grandioso com um final insolúvel

Até o gran finale, em que seu filho Ezequiel nasce com a cara do amigo. E se tudo não passou de um sonho longo e perturbador de Bentinho durante sua viagem ao seminário que sua mãe tanto almejava?

E se Capitu realmente era dada aos desejos da carne e gostava de sair com homens que ela seduzia para depois poder se divertir deixando o marido desvairado? Ou ainda, podemos acreditar que realmente Bentinho tenha sido seduzido pelos olhos de cigana misteriosa de sua mulher.

Uma coisa é certeira em toda essa preciosa história que o grande Machadão nos deixou. Existem mistérios que são criados para nunca serem desvendados, e por isso ostentam o nome de mistério.

E cá entre nós, o livro é fantástico por conta desse detalhe, o mistério até hoje insolúvel.

Felipe Terra Escrito por:

Professor e amante da arte literária, atua na área da educação desde 2011. Viciado na música de Bach, Mozart e Chet Baker, e na literatura de Raymond Chandler, Ross Macdonald e Paul Auster. Ama escrever e acredita que poderia ler mais, porém, precisa dormir, infelizmente. Consegue passar horas jogando pôquer ou xadrez com os amigos. Degustar pizzas de queijo e bacon é um dos passatempos prediletos em horas de fome extrema.

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