Douglas Utescher fala sobre fanzines e literatura independente

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1-Quem é Douglas Utescher?

Começou pela pergunta mais difícil! Mas vou arriscar: Douglas tem 37 anos, é casado com a Daniela e tem uma cachorra chamada Brigitte. Desde moleque nutre um interesse ativo e quase obsessivo por cultura torta. É especialista em fazer coisas que não são suas especialidades, por mera curiosidade ou por crer religiosamente na máxima punk do “faça você mesmo”.

2-Como foi tocar em bandas históricas, como Life is A Lie, No Violence e Araukana?

Foi muito bom tocar nestas bandas, apesar de nunca pensar nelas como bandas “históricas”. São bandas muito diferentes entre si, também. O Araukana começou como uma banda punk rock que foi sujando seu som com o passar do tempo e com a entrada de novos integrantes. Sempre toquei guitarra, então ser vocalista foi uma experiência nova e divertida, especialmente ao vivo.

O Life is a Lie foi a experiência musical mais marcante dentre as que já me envolvi. Tudo na banda era muito intenso e verdadeiro. A banda esteve ativa no decorrer de anos de muitas mudanças, crises e questionamentos para alguns de seus integrantes, e fazíamos questão que nossa produção refletisse esse caos.

Com o No Violence a situação era bem diferente. Eu era um grande fã da banda e tive a oportunidade de assumir uma das guitarras. Quando cheguei, a banda já tinha um bom tempo de estrada, já tinha seu próprio modus operandi. Mais ou menos como aconteceu alguns anos depois, quando entrei no Sick Terror.

3- Como surgiu a ideia de criar o Proteus Vulgaris?

Meu interesse pelas mídias impressas despertou muito cedo. Eu mal havia chegado aos 10 anos de idade e colecionava tiras de jornal (recortava as minhas preferidas e guardava em pastas), queria participar do jornal do grêmio estudantil, fazia revistinhas e vendia para os colegas da classe. Muito cedo também surgiu meu interesse por música, graças a um primo mais velho que tinha discos de bandas como Iron Maiden, AC/DC, Ramones e Garotos Podres.

Descobri os fanzines frequentando a Gibiteca Henfil (que na época ficava na Biblioteca Viriato Correa, na Vila Mariana) e lendo, precocemente, revistas como Chiclete com Banana e Animal. Os fanzines faziam a ponte entre tudo o que me interessava. Começar a fazer a minha própria publicação era um passo lógico.

4-Maximum Rock N’ Roll teve alguma influência na criação do Life?

Não. Se não me falha a memória, a primeira edição do Maximum Rock N’ Roll que tive a oportunidade de ler caiu em minhas mãos na época em que eu estava preparando a quarta e última edição do Life?.

Minhas influências diretas eram os zines brasileiros mesmo. Infernal Sanctum, Aaaargh, Putrid, Esquistossonoise, Nuclear Vomit, Distorção Alternativa e por aí vai.

5-Como você definiria a editora Ugra Press?

Ugra Press é um nome para muitas coisas. Nós publicamos livros e zines, temos uma loja virtual especializada em publicações independentes e também organizamos um festival anual chamado Ugra Zine Fest. O fio condutor para essas atividades é o que chamamos genericamente de cultura independente ou alternativa, ou seja, toda a produção artístico-cultural que escapa, questiona ou deliberadamente se opõe ao senso comum.

6- Como é feito o editorial, diagramação e revisão dos anuários? Você faz tudo sozinho?

Nas três edições já lançadas do Anuário de Fanzines, Zines e Publicações Alternativas eu contei com a colaboração de amigos para redigir parte dos textos (Leandro Márcio Ramos na primeira edição; Márcio Sno e Flávio Grão nas duas seguintes). Cada edição foi revisada por uma pessoa. Eu sou responsável pela edição e pela diagramação, além de escrever aproximadamente um terço das resenhas.

7-Você acredita que os blogs colaboraram para o decaída dos fanzines impressos?

Acho que o pior já passou. Houve um momento de euforia com a   internet, no início dos anos 2000, quando muitos editores decretaram a morte dos fanzines de papel e migraram para o mundo virtual. Aos poucos, porém, muita gente começou a perceber que os blogs não são melhores nem piores que os fanzines – são apenas diferentes. Cada mídia tem suas próprias limitações e vantagens. Cabe ao editor ter clareza de seus objetivos e decidir pelo suporte mais adequado.

8- Diz aí 5 discos, 5 Zines e 5 livros que uma pessoa tem que ouvir/ler antes de morrer?

Discos:

Napalm Death – From Enslavement to Obliteration
Impaled Nazarene – Ugra Karma
Neurosis – Souls at Zero
IRM – Oedipus Dethroned
Fields of the Nephilim – The Nephilim

Livros:

Emile Cioran – Breviário de Decomposição
Jean Paul Sartre – A Náusea
Albert Camus – A Peste
Fiodor Dostoievski – Notas do Subsolo
Dino Buzzati – O Deserto dos Tártaros

Zines: Se para discos e livros já foi um sufoco escolher apenas 5, para zines é impossível. Mas se eu tivesse que citar apenas um, provavelmente seria a 5ª edição de um zine da Croácia chamado Fecal Forces. Esse zine caiu na minha mão por acaso, numa troca que fiz em meados dos anos 90 com um cara da Holanda, e foi de longe o zine que mais reli na vida. Inteiramente feito no esquema recorta-e-cola, ele trazia uma tonelada de informações, textos muito inteligentes e pontos de vista bastante incomuns, numa combinação inusitada de anarquismo, satanismo, paganismo, liberação animal, fetichismo, metal, punk, música industrial, cinema e quadrinhos. Rachou minha cabeça quando li pela primeira vez e me impulsionou a correr atrás de dezenas de coisas que até então eu desconhecia completamente.

 

9- Quais conselhos para os marinheiros de primeira viagem? Ainda tem uma molecada fazendo zine por aí, que mensagem você gostaria de deixar para eles?

Mergulhe de cabeça. Faça algo que lhe dê satisfação, algo que você tenha orgulho de ter criado. Não existe certo ou errado no meio dos zines e as possibilidades temáticas e estéticas são incontáveis, então há todo um universo aí para ser explorado.

Onde encontrar Douglas Utescher:
https://twitter.com/ugrapress
https://www.facebook.com/ugrapress
https://www.facebook.com/douglas.utescher
http://ugrapress.webstorelw.com.br/
http://ugrapress.wordpress.com/

Diego Fernandes Escrito por:

Bebedor desenfreado de café, Diego é desenvolvedor front-end e professor. É o fundador do Duofox. Na literatura não vive sem os russos Tolstói, Dostoiévski e Anton Tchekhov e consegue "perder" tempo com autores da terra do Tio Sam, Raymond Chandler e Melville. Acredita que a arte de maneira geral é a única forma de manter o ser humano pelo menos acordado, longe do limbo que pode levar a humanidade à Encruzilhada das Almas.

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