Jorge Amado, o mestre da ambientação

O que podemos falar de Jorge Amado? Um baiano nascido em uma fazenda, no distrito de Ferradas, município de Itabuna, sul do Estado da Bahia. Cresceu entre as plantações de cacau, desfilou pelos cais de Salvador, botecos e cabarés da grande Bahia de Todos os Santos. Conheceu pessoas de todas as classes sociais. Bêbados, pais de santo, prostitutas, malandros e menores abandonados. Jorge amado era de todos.

Com uma obra vasta, traduzida em mais de 40 países, Jorge Amado sempre tratou com simplicidade seu trabalho. Dizia ele que “Não escrevi meu primeiro livro pensando em ficar famoso. Escrevi pela necessidade de expressar o que sentia.”. Essa frase do mestre Amado traduz exatamente o que encontramos em suas obras mais significativas.

Em 1936, após Jorge Amado ter sido preso pela primeira vez, no Rio de Janeiro, por conta de suas atividades políticas, recebe uma proposta de José Olympio, o importante editor. “Escreva um romance e terá 500 mil réis.” Foi mais ou menos isso mesmo.

Sem nenhum dinheiro no bolso, mas milhares de histórias e personagens na cabeça, Jorge aceita a proposta. Em insanos 15 dias, ou 15 noites, nasceu Mar Morto, um de seus melhores romances. “Meu pai gostava de escrever à noite. Somente após certa idade, mais cansado, escrevia pela manhã”, diz Paloma Amado filha do escritor.

Mar Morto é um livro sobre o amor. Mas acima de tudo, uma história bem construída sobre os marinheiros, pescadores, malandros, velhos mulatos contadores de histórias, prostitutas e, maiormente, um romance sobre o mar, que ora é o herói do povo, ora a desgraça de famílias e pescadores.

Uma das características marcantes na obra de Jorge Amado é o seu poder de ambientação. Habilidade essa difícil de ser batida, pois Jorge Amado era um grande observador da natureza e um exímio contador de histórias.

Em apenas um parágrafo J.A é capaz de transportar-nos ao cais repleto de vida, onde uma tempestade se forma para açoitar os homens. Em poucas linhas é possível sentir o odor da cachaça, o suor das mulatas se esfregando nos fregueses dos botecos, ver os barcos saindo da praia, navegando direto para os braços de Iemanjá.

O capítulo que abre o romance Mar Morto é um dos mais belos de nossa literatura. A tempestade chega varrendo tudo, levando a vida de alguns, trazendo a esperança a outros. Sentimos como era o poder de observação e sensibilidade desse baiano de corpo alma. Eis um trecho:

A noite se antecipou. Os homens ainda não a esperavam quando ela desabou sobre a cidade em nuvens carregadas. Ainda não estavam acesas as luzes do cais, no “Farol das Estrelas” não brilhavam ainda as lâmpadas pobres que iluminavam os copos de cachaça, muitos saveiros ainda cortavam as águas do mar, quando o vento trouxe a noite de nuvens pretas

A noite veio com fúria e lavou o cais, amassou a areia, balançou os navios atracados, revoltou os elementos, fez com que fugissem todos aqueles que esperavam a chegada do transatlântico…

Diante do copo de cachaça o preto Rufino não sorriu mais. Assim com a tempestade, Esmeralda não viria.

Mar Morto tem personagens excepcionais. O romance conta a história de Guma, rapaz criado no cais da Bahia, e a meiga Lívia. Ambos se conhecem no terreiro de macumba do pai Anselmo. Daí nasce um forte amor.

Outras figuras surgem na trama para dar vida e cor a tudo. Rosa Palmeirão, uma mulher madura e viajada que adora amar os homens sobre as areias do mar. Preto Rufino, com sua voz melancólica, cantando para os marinheiros, Francisco, tio de Guma, uma espécie de âncora na vida do sobrinho, que o ajuda a aprender os segredos do mar.

Sob o olhar humano de Jorge Amado os dramas de todos os pobres e excluídos do cais se tornam importantes e merecedores de atenção. A forma como a narração corre leve, sem cansar, impressiona. Nenhum dos conflitos que surgem ao longo das 260 páginas é desinteressante.

Cabe destacar que na abertura do livro, Jorge Amado já vai avisando a todos: “Agora eu quero contar as histórias da beira do cais da Bahia. Os velhos marinheiros que remendam velas, os mestres de saveiros, os pretos tatuados, os malandros sabem essas histórias e essas canções. Eu as ouvi nas noites de lua no cais do Mercado, nas feiras, nos pequenos portos do Recôncavo, junto aos enormes navios suecos nas pontes de Ilhéus. O povo de Iemanjá tem muito que contar”.

E Mar Morto é exatamente isso. Histórias da beira o cais da Bahia. Um romance forte a respeito de amor, loucura, humildade, coragem e amizade. Além de tudo, e, sobretudo, uma grande narrativa sobre o mar, misterioso e fascinante. Um mar que não aparenta ter nada de Morto, muito pelo contrário, abriga vida, amores e paixões.

Jorge Amado e Zélia Gatai
O escritor e sua esposa, Zélia Gattai.

Jorge Amado nasceu em 10 de agosto de 1912, no município de Itabuna, sul do Estado da Bahia, e faleceu com 89 anos, em Salvador, no dia 6 de agosto de 2001. Suas cinzas estão enterradas no jardim de sua residência na Rua Alagoinhas.

Felipe Terra Escrito por:

Professor e amante da arte literária, atua na área da educação desde 2011. Viciado na música de Bach, Mozart e Chet Baker, e na literatura de Raymond Chandler, Ross Macdonald e Paul Auster. Ama escrever e acredita que poderia ler mais, porém, precisa dormir, infelizmente. Consegue passar horas jogando pôquer ou xadrez com os amigos. Degustar pizzas de queijo e bacon é um dos passatempos prediletos em horas de fome extrema.

2 Comentários

  1. Jorge Amado merece sempre toda reportagem! Parabéns, Diego, pelo seu esforço em manter a cultura e nomes importantes em evidência. Deveria existir muitos mais Diegos neste nosso Brasil, país das bananas, os empinadores de pipas e dos boleiros…

    • dezembro 14, 2015
      Responder

      Grande Fábio!
      A função do blog é divulgar os grandes, médios e pequenos escritores.

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