Cabeça Dinossauro

O ano? Provavelmente 1986. Assim minha idade seria 13. Canecão lotado, todos eram mais altos que eu. Ainda é assim. A ansiedade de a luz apagar sempre foi imensa. Ainda é assim. Ela apaga e as luzes coloridas iniciam no palco. Pra lá e pra cá. Assim é o que eu lembro. Lá se vão 35 anos e não sei o motivo de voltar a esse show.

Tá, sei sim. Depois eu digo. Eles vão entrando e são muitos. Os olhos de um garoto miram para todos os lados. Eles são muitos, e diferentes, diversos. Todos de preto. Passei a gostar e me vestir de preto. Ainda é assim. E claro, lá se vão muitos anos, minha retina gravou isso, e não necessariamente tudo é verdade. Importa? Não.

Começa a introdução de ‘Cabeça Dinossauro’ com o teclado do Britto, em seguida o som tribal do Gavin. Ainda hoje acho incrível de lembrar. O Branco agarra a parte superior do seu cabelo e puxa para e para cima como se fosse arrancar o pescoço. Botões da blusa fechados até em cima. Assim como os do Arnaldo, que lá em cima também joga suas pernas. Seu corte de cabelo, que por muitos anos não mudou, sempre foi um espetáculo à parte.

Recentemente isolado em casa fiz um parecido sozinho. Claro que não ficou igual. O Fromer do lado esquerdo perto do Nando. Os dois grandes músicos. Acho que eu perceberia isso mais tarde. Nesse momento o Miklos está mais ao fundo fazendo os backings.

Eles são muitos. Quase todos cantam. Olho para todos os lados e levo trombadas dos adultos na roda. É incrível. E ali do lado direito está o titã mais cool. Belotto entra com sua Jackson azul. Não lembro se é verdade, mas não quis pesquisar, seria bobagem. Hoje não queria, de jeito nenhum, uma Jackson. Se fosse azul tudo bem.

Com calça de couro e olhos pintados de lápis preto, ele usa um lenço tampando o rosto. Como os bandidos que roubavam bancos nos filmes do John Wayne que eu assistia com meu vô. Projeto o momento e ainda hoje me salta da retina. Penso que eu preciso fazer aquilo, preciso tocar guitarra e ter uma banda e usar lenço escondendo o rosto.

Nunca usei. Quinze anos mais tarde tenho uma banda de rock e logo após fazer 62 shows na Europa, pego o avião em Roma e na conexão em Zurique ligo para minha mãe dizendo que já pegaria o segundo voo. Um dos Titãs está em coma. Foi atropelado.

Acho que ela não sabe a diferença entre os oito, só disse que não era o mais bonito. Para ela, esse era o Belotto. Chegando ao Brasil soube que era o Fromer. Insubstituível. Como todos eles. A inocência de 1986 morreu junto.

Leonardo Panço Escrito por:

Leonardo Panço é um artista multimídia (escritor, guitarrista e zineiro dos bons) que teve sua formação construída entre as trincheiras da cena independente e do underground carioca quando fazia parte da banda de hardcore Jason.

3 Comentários

  1. Tito Cepoline
    fevereiro 19, 2021
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    que emocionante o relato!!!

  2. MARILENE
    fevereiro 19, 2021
    Responder

    Adorei! Muito “legal”

  3. Salomão
    fevereiro 20, 2021
    Responder

    Texto sensacional! Que sorte vc ter visto o Titãs na sua plenitude !

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